O termo microgravidade
não corresponde a uma “gravidade micro”, ou seja, não se refere ao valor da força
gravitacional multiplicada pelo fator 10-6. Só para ter uma ideia,
tal redução na força gravitacional exercida pela Terra, só poderia ocorrer a
uma distância de 6,37x106 Km da Terra. Essa distância corresponde a
quase 17 vezes a distância Terra-Lua.
Microgravidade é
um termo utilizado em astronáutica para descrever uma situação onde o peso
aparente dos corpos é muito menor que o peso real devido à gravidade. O peso
aparente de um corpo pode ser menor ou maior que o peso real. Isso vai depender
do sentido da aceleração do corpo. Portanto, o ponto chave para a compreensão
correta de como se obtém microgravidade está na análise da aceleração do corpo.
Sendo assim, vamos analisar alguns exemplos que podem ajudar nessa compreensão.
Se uma pessoa
quiser medir sua massa (“se pesar”) basta ficar de pé sobre uma balança. Se a
balança estiver em repouso sobre a superfície da Terra ou em movimento com
velocidade constante, a medida observada será consequência da medida da força
normal exercida pela pessoa sobre o chão da balança. A força normal é força
responsável pela sensação de peso que as pessoas têm na superfície da Terra.
Porém se alguém tentar medir sua massa com
uma balança dentro de um elevador que se move, em uma trajetória vertical e com
aceleração, ela observará uma medida diferente. É o chamado “peso aparente”.
Essa medida vai depender das características do vetor aceleração. Vamos
analisar os casos possíveis.
1º
Caso: Elevador em repouso ou em movimento retilíneo uniforme.
Esta situação é
de equilíbrio. O módulo da força normal
é igual
ao módulo da força peso
, tanto para o elevador em repouso como em
movimento com velocidade constante. A figura 1 ilustra esta situação com o
diagrama de forças.
Figura 1. Diagrama de forças – Elevador em repouso ou M.R.U.
Imagem do boneco do Einstein disponível em http://cafundoestudio.com.br/trabalhos/fgv-personagens/
De acordo com a segunda lei de Newton,
como não há aceleração a força resultante é nula. Veja a seguir.
Fr = ma
Neste caso temos:
a = 0 e Fr = N - P
Assim, vem
N - P = 0
Portanto,
N = P
Ou
seja, uma pessoa nesta situação não percebe nenhuma diferença na sensação de
peso.
2º
Caso: Elevador subindo acelerado (vetor aceleração tem sentido contrário à
força peso).
Agora, o sistema
está acelerado e de acordo com a segunda lei de Newton, temos uma força resultante
diferente de zero. A figura 2, ilustra a situação. Os vetores aceleração
e velocidade
tem o mesmo sentido. Perceba que
o vetor que representa a força normal
é maior que o vetor força peso
.
Figura 2. Diagrama de Forças -
Elevador subindo acelerado
Recorrendo mais uma vez à segunda lei de
Newton, temos:
N - P = ma
N - mg = ma
N = m(a + g)
Ou seja, o módulo da força N é maior que o módulo da força P. Isso significa que, uma pessoa nessa situação
tem uma a sensação de estar mais pesada. Em outras palavras, o peso aparente do
corpo é maior que o peso real, neste caso.
3º
Caso: Elevador subindo retardado (vetor aceleração tem o mesmo sentido da força
peso).
Agora, temos um
sistema num movimento desacelerado. Os vetores aceleração
e
velocidade
têm
sentidos opostos como mostra a figura 3. Nesse caso, a força normal aparece
menor que a força peso.
Novamente, recorremos a segunda lei de
Newton:
P - N = ma
mg - N = ma
-N = ma - mg
N = m(g-a)
Temos então, o módulo de N menor que o de P. Ou seja, quem experimentar esta situação terá
a sensação de estar mais leve. Podemos afirmar neste caso, que o peso aparente
do corpo é menor que o seu peso real.
4º
Caso: Elevador descendo retardado (vetor aceleração tem sentido contrário à
força peso).
Neste caso,
temos mais uma vez, os vetores aceleração e velocidade com sentidos opostos,
como mostra a figura 4. Porém, agora o elevador está descendo desacelerado. Na
figura, percebemos que a força normal
é maior
que a força peso
. Vamos entender o porquê.
Figura 4. Diagrama de Forças - Elevador descendo retardado.
Pela segunda lei de Newton, temos:
N - P = ma
N - mg = ma
Portanto: N = m(a + g)
Mais uma vez o módulo de N é maior que o módulo de P . Ou seja, quem experimentar esta situação se
sentirá mais pesado. O peso aparente é maior que o peso real.
5º
Caso: Elevador descendo acelerado (vetor aceleração tem o mesmo sentido da
força peso).
Dessa
vez, temos os vetores velocidade
e
aceleração
apontando
para baixo. A figura 5 mostra também que a força normal
é menor
que a força peso.
Mais uma vez recorrendo a segunda lei de
Newton, temos:
P - N = ma
mg - N = ma
-N = ma - mg
N = m(g - a)
Observamos mais uma vez que o módulo de N é menor que o módulo de P. Significa que uma pessoa nesta situação vai
se sentir mais leve. O peso aparente, aqui, é menor que o peso real.
Agora, vamos pensar na seguinte situação:
Se a aceleração durante a queda for a própria aceleração gravitacional? Isso é
o que chamamos de queda livre. O próximo caso faz essa análise.
6º
Caso: Elevador em queda livre (vetor aceleração tem o mesmo sentido da força
peso e módulo igual ao da gravidade).
A queda livre de
um corpo é caracterizada pelo fato do corpo estar sujeito apenas à ação da força
gravitacional. Vamos mais uma vez analisar o caso utilizando a segunda lei de
Newton.
Temos então: P - N = ma
mas, agora o módulo de a é igual ao módulo de g. Portanto:
mg - N = mg.
Ou seja,
N = 0
Essa é
a situação em que temos a microgravidade. Quem estiver nessas condições não
sentirá seu peso. Damos o nome de imponderabilidade à esta sensação. O peso
aparente do corpo é igual a zero.
Nas situações em que a aceleração tem
sentido contrário ao da força peso, o peso aparente tem intensidade maior do
que a força peso. Quando a aceleração
tem o mesmo sentido da força peso, a intensidade do peso aparente é menor do
que da força peso.
É importante destacar que o peso do objeto
é o mesmo em todas as situações. A força que sofre variações na sua intensidade
é a normal. Mesmo na situação de queda livre o peso do corpo permanece o mesmo.
Concluímos então que, quando um objeto está em queda livre, o mesmo está em um
ambiente de microgravidade. Se esse objeto for uma pessoa, esta sentira a
imponderabilidade, ou seja, uma sensação de ausência total de peso.
3 O avião zero G e os
foguetes suborbitais.
Analisaremos agora um outro exemplo onde
se obtém o ambiente de microgravidade. Apesar do nome, o avião zero G não fica
livre da ação da força gravitacional da Terra. Ele apenas experimenta a
situação de queda livre. Porém, nesse caso existem algumas peculiaridades que
não foram abordadas no exemplo do elevador.
Estar em queda livre não significa que
obrigatoriamente um corpo esteja se movendo com velocidade que aponta no
sentido do centro da Terra. Em outras palavras, queda livre nem sempre
significa cair. Como já dissemos anteriormente, para considerarmos que um corpo
está em queda livre, é necessário que o mesmo esteja se movendo com uma
aceleração idêntica à aceleração da gravidade. Isso significa que, mesmo que um
corpo esteja em um movimento ascendente, ou seja, subindo, ele pode estar em
queda livre. Para isso, basta que a resultante de forças sobre ele, o coloque
acelerado a uma taxa igual ao valor da gravidade.
É exatamente isso que é feito com o avião
zero G. A figura 7 ilustra bem, como é obtida a microgravidade nesse avião.
Percebemos no gráfico que os 20 segundos de microgravidade correspondem a um
trecho de trajetória parabólica. Ainda durante a subida o avião já é posto em
queda livre. A partir do ponto 2 no gráfico, o avião está submetido a uma
aceleração igual a gravidade e as pessoas dentro do avião já começam a
experimentar a imponderabilidade. A sensação dura até o ponto 4, quando o avião
já está no movimento descendente (trecho azul). Antes e depois desse trecho, os
passageiros experimentam uma “hipergravidade”. Sensação que corresponde a se
sentir mais pesado que o normal (trecho amarelo). Os trechos de cor verde, nos dois extremos do
gráfico, correspondem, para os passageiros, a uma situação equivalente ao repouso
na superfície da Terra.
Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2013/11/12/clique-ciencia-e-possivel-voar-sem-gravidade-sem-sair-da-terra.htm
A trajetória parabólica descrita pelo
avião zero G enquanto simula a microgravidade é semelhante ao lançamento
oblíquo que estudamos em cinemática. Para estudarmos esse tipo de lançamento
desprezamos toda a resistência do ar e consideramos que o objeto lançado está
sujeito apenas à ação da gravidade. Ou seja, todo lançamento oblíquo é uma
simulação de microgravidade. Isso é o que ocorre com os foguetes suborbitais[1].
A figura 8, ilustra o foguete VSL-30/EPL[2] e o seu voo suborbital. A
carga útil[3] do foguete experimenta um
ambiente de microgravidade por até 6 minutos. Podemos observar que o trecho de microgravidade,
em azul na figura, também é uma parábola.
[1] Um voo suborbital é aquele em que o
foguete atinge o espaço, mas não entra em órbita. Ele descreve uma trajetória
parabólica e retorna à superfície terrestre.
[2] Foguete desenvolvido pelo IAE –
Instituto de Aeronáutica e Espaço, movido a etanol e oxigênio líquido. Mais
informações em: http://www.brasil.gov.br/defesa-e-seguranca/2014/09/brasil-lanca-primeiro-foguete-nacional-com-combustivel-liquido.
[3] Corresponde ao que é embarcado na
extremidade superior do foguete. Geralmente são colocados experimentos que
precisam ser analisados em microgravidade. A carga útil de um foguete é
recuperada após voltar para a superfície, em terra ou no mar.