sexta-feira, 20 de maio de 2016


O termo microgravidade não corresponde a uma “gravidade micro”, ou seja, não se refere ao valor da força gravitacional multiplicada pelo fator 10-6. Só para ter uma ideia, tal redução na força gravitacional exercida pela Terra, só poderia ocorrer a uma distância de 6,37x106 Km da Terra. Essa distância corresponde a quase 17 vezes a distância Terra-Lua.
Microgravidade é um termo utilizado em astronáutica para descrever uma situação onde o peso aparente dos corpos é muito menor que o peso real devido à gravidade. O peso aparente de um corpo pode ser menor ou maior que o peso real. Isso vai depender do sentido da aceleração do corpo. Portanto, o ponto chave para a compreensão correta de como se obtém microgravidade está na análise da aceleração do corpo. Sendo assim, vamos analisar alguns exemplos que podem ajudar nessa compreensão.

Se uma pessoa quiser medir sua massa (“se pesar”) basta ficar de pé sobre uma balança. Se a balança estiver em repouso sobre a superfície da Terra ou em movimento com velocidade constante, a medida observada será consequência da medida da força normal exercida pela pessoa sobre o chão da balança. A força normal é força responsável pela sensação de peso que as pessoas têm na superfície da Terra.
Porém se alguém tentar medir sua massa com uma balança dentro de um elevador que se move, em uma trajetória vertical e com aceleração, ela observará uma medida diferente. É o chamado “peso aparente”. Essa medida vai depender das características do vetor aceleração. Vamos analisar os casos possíveis.

1º Caso: Elevador em repouso ou em movimento retilíneo uniforme.
Esta situação é de equilíbrio. O módulo da força normal   é igual ao módulo da força peso  , tanto para o elevador em repouso como em movimento com velocidade constante. A figura 1 ilustra esta situação com o diagrama de forças.
Figura 1. Diagrama de forças – Elevador em repouso ou M.R.U. Imagem do boneco do Einstein disponível em http://cafundoestudio.com.br/trabalhos/fgv-personagens/
De acordo com a segunda lei de Newton, como não há aceleração a força resultante é nula. Veja a seguir.
Fr = ma
Neste caso temos:
 a = 0 e Fr = N - P
Assim, vem 
N - P = 0
Portanto,
N = P

Ou seja, uma pessoa nesta situação não percebe nenhuma diferença na sensação de peso.

2º Caso: Elevador subindo acelerado (vetor aceleração tem sentido contrário à força peso).
Agora, o sistema está acelerado e de acordo com a segunda lei de Newton, temos uma força resultante diferente de zero. A figura 2, ilustra a situação. Os vetores aceleração  e velocidade tem o mesmo sentido. Perceba que o vetor que representa a força normal é maior que o vetor força peso .
Figura 2. Diagrama de Forças - Elevador subindo acelerado

Recorrendo mais uma vez à segunda lei de Newton, temos:
N - P = ma
N - mg = ma
N = m(a + g)
Ou seja, o módulo da força N é maior que o módulo da força P. Isso significa que, uma pessoa nessa situação tem uma a sensação de estar mais pesada. Em outras palavras, o peso aparente do corpo é maior que o peso real, neste caso.

3º Caso: Elevador subindo retardado (vetor aceleração tem o mesmo sentido da força peso).

Agora, temos um sistema num movimento desacelerado. Os vetores aceleração   e velocidade   têm sentidos opostos como mostra a figura 3. Nesse caso, a força normal aparece menor que a força peso.
Figura 3Diagrama de Forças - Elevador subindo retardado.
Novamente, recorremos a segunda lei de Newton:
P - N = ma
mg - N = ma
-N = ma - mg
N = m(g-a)
Temos então, o módulo de N menor que o de P. Ou seja, quem experimentar esta situação terá a sensação de estar mais leve. Podemos afirmar neste caso, que o peso aparente do corpo é menor que o seu peso real.

4º Caso: Elevador descendo retardado (vetor aceleração tem sentido contrário à força peso).
Neste caso, temos mais uma vez, os vetores aceleração e velocidade com sentidos opostos, como mostra a figura 4. Porém, agora o elevador está descendo desacelerado. Na figura, percebemos que a força normal   é maior que a força peso  . Vamos entender o porquê.
Figura 4. Diagrama de Forças - Elevador descendo retardado.
Pela segunda lei de Newton, temos:
N - P = ma
N - mg = ma
Portanto: N = m(a + g)
Mais uma vez o módulo de N é maior que o módulo de P. Ou seja, quem experimentar esta situação se sentirá mais pesado. O peso aparente é maior que o peso real.


5º Caso: Elevador descendo acelerado (vetor aceleração tem o mesmo sentido da força peso).
Dessa vez, temos os vetores velocidade   e aceleração   apontando para baixo. A figura 5 mostra também que a força normal   é menor que a força peso.
 Figura 5. Diagrama de Forças - Elevador descendo acelerado.
Mais uma vez recorrendo a segunda lei de Newton, temos:
P - N = ma
mg - N = ma
-N = ma - mg
N = m(g - a)

Observamos mais uma vez que o módulo de N é menor que o módulo de P. Significa que uma pessoa nesta situação vai se sentir mais leve. O peso aparente, aqui, é menor que o peso real.
Agora, vamos pensar na seguinte situação: Se a aceleração durante a queda for a própria aceleração gravitacional? Isso é o que chamamos de queda livre. O próximo caso faz essa análise.

6º Caso: Elevador em queda livre (vetor aceleração tem o mesmo sentido da força peso e módulo igual ao da gravidade).
A queda livre de um corpo é caracterizada pelo fato do corpo estar sujeito apenas à ação da força gravitacional. Vamos mais uma vez analisar o caso utilizando a segunda lei de Newton.


Figura 6. Diagrama de Forças - Elevador em queda livre.

Temos então: P - N = ma
mas, agora o módulo de a é igual ao módulo de g. Portanto: 
mg - N = mg.    
Ou seja, 
N = 0
                Essa é a situação em que temos a microgravidade. Quem estiver nessas condições não sentirá seu peso. Damos o nome de imponderabilidade à esta sensação. O peso aparente do corpo é igual a zero.
Nas situações em que a aceleração tem sentido contrário ao da força peso, o peso aparente tem intensidade maior do que a força peso.  Quando a aceleração tem o mesmo sentido da força peso, a intensidade do peso aparente é menor do que da força peso.
É importante destacar que o peso do objeto é o mesmo em todas as situações. A força que sofre variações na sua intensidade é a normal. Mesmo na situação de queda livre o peso do corpo permanece o mesmo. Concluímos então que, quando um objeto está em queda livre, o mesmo está em um ambiente de microgravidade. Se esse objeto for uma pessoa, esta sentira a imponderabilidade, ou seja, uma sensação de ausência total de peso. 

3 O avião zero G e os foguetes suborbitais.

Analisaremos agora um outro exemplo onde se obtém o ambiente de microgravidade. Apesar do nome, o avião zero G não fica livre da ação da força gravitacional da Terra. Ele apenas experimenta a situação de queda livre. Porém, nesse caso existem algumas peculiaridades que não foram abordadas no exemplo do elevador.
Estar em queda livre não significa que obrigatoriamente um corpo esteja se movendo com velocidade que aponta no sentido do centro da Terra. Em outras palavras, queda livre nem sempre significa cair. Como já dissemos anteriormente, para considerarmos que um corpo está em queda livre, é necessário que o mesmo esteja se movendo com uma aceleração idêntica à aceleração da gravidade. Isso significa que, mesmo que um corpo esteja em um movimento ascendente, ou seja, subindo, ele pode estar em queda livre. Para isso, basta que a resultante de forças sobre ele, o coloque acelerado a uma taxa igual ao valor da gravidade.
É exatamente isso que é feito com o avião zero G. A figura 7 ilustra bem, como é obtida a microgravidade nesse avião. Percebemos no gráfico que os 20 segundos de microgravidade correspondem a um trecho de trajetória parabólica. Ainda durante a subida o avião já é posto em queda livre. A partir do ponto 2 no gráfico, o avião está submetido a uma aceleração igual a gravidade e as pessoas dentro do avião já começam a experimentar a imponderabilidade. A sensação dura até o ponto 4, quando o avião já está no movimento descendente (trecho azul). Antes e depois desse trecho, os passageiros experimentam uma “hipergravidade”. Sensação que corresponde a se sentir mais pesado que o normal (trecho amarelo).  Os trechos de cor verde, nos dois extremos do gráfico, correspondem, para os passageiros, a uma situação equivalente ao repouso na superfície da Terra.

Figura 7. Gráfico da trajetória do voo zero G.
Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2013/11/12/clique-ciencia-e-possivel-voar-sem-gravidade-sem-sair-da-terra.htm
A trajetória parabólica descrita pelo avião zero G enquanto simula a microgravidade é semelhante ao lançamento oblíquo que estudamos em cinemática. Para estudarmos esse tipo de lançamento desprezamos toda a resistência do ar e consideramos que o objeto lançado está sujeito apenas à ação da gravidade. Ou seja, todo lançamento oblíquo é uma simulação de microgravidade. Isso é o que ocorre com os foguetes suborbitais[1].
A figura 8, ilustra o foguete VSL-30/EPL[2] e o seu voo suborbital. A carga útil[3] do foguete experimenta um ambiente de microgravidade por até 6 minutos. Podemos observar que o trecho de microgravidade, em azul na figura, também é uma parábola.

Figura 8. Foguete suborbital VS-30/EPL. Voo parabólico simulando Microgravidade.
Disponível em: http://debatef.com/index.php?option=com_content&view=article&id=170:brasil-desenvolve-foguete-suborbital-movido-a-etanol-e-oxigenio-liquido&catid=39:noticias



[1] Um voo suborbital é aquele em que o foguete atinge o espaço, mas não entra em órbita. Ele descreve uma trajetória parabólica e retorna à superfície terrestre.
[2] Foguete desenvolvido pelo IAE – Instituto de Aeronáutica e Espaço, movido a etanol e oxigênio líquido. Mais informações em: http://www.brasil.gov.br/defesa-e-seguranca/2014/09/brasil-lanca-primeiro-foguete-nacional-com-combustivel-liquido.

[3] Corresponde ao que é embarcado na extremidade superior do foguete. Geralmente são colocados experimentos que precisam ser analisados em microgravidade. A carga útil de um foguete é recuperada após voltar para a superfície, em terra ou no mar.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

4 Os satélites em órbita.

O último exemplo que vamos abordar é o caso da Estação Espacial Internacional (ISS).  Ela é um dos milhares de satélites que orbitam a Terra. As funções desses satélites são várias. Temos, por exemplo, satélites de comunicação[1], de imageamento[2], satélites espiões[3] e telescópios[4]. Além de todos os satélites artificiais, colocados em órbita, por ação humana, temos ainda a Lua. Nosso único satélite natural. Porém não vamos nos dedicar a falar de todos eles. Tentaremos mostrar de um modo geral como um satélite é colocado em órbita e nos preocuparemos com a explicação do ambiente de Microgravidade da ISS.
Para chegarmos a entender o que é uma órbita, falaremos de uma experiência de pensamento proposta por Isaac Newton. A experiência do canhão orbital de Newton, ilustrada na figura 9 propunha que, se um canhão fosse colocado no alto de uma montanha em um planeta hipotético sem atmosfera, e dele fosse lançado um projétil, este cairia a uma distância proporcional à velocidade de lançamento. Aumentando cada vez mais a velocidade, esse projétil deixaria de interceptar a superfície do planeta e entraria em uma órbita descrevendo uma trajetória com a forma de uma circunferência.

Figura 9. O canhão de Newton. Figura da obra “Princípia” de Isaac Newton.

Para um planeta com a massa e o raio da Terra, sem atmosfera, o projétil deveria atingir uma velocidade de 8 Km/s para descrever tal circunferência em órbita, segundo Newton.
Sabemos hoje que as órbitas dos satélites são bem diferentes da órbita proposta por Newton. Não entraremos nos detalhes da descrição das órbitas. Porém precisamos saber que essa ideia de Newton é peça fundamental da sua Teoria da Gravitação Universal e que hoje, utilizamos essa ideia para colocar satélites em órbita.
O experimento mental do canhão de Newton nos serve para entendermos que um corpo em órbita está num movimento de queda. Se pensarmos em um lançamento horizontal sem resistência do ar, perceberemos que o movimento descrito pelo projétil, na direção vertical é uma queda livre. Pois bem, o experimento de Newton sugere que o projétil lançado pelo canhão está em um movimento idêntico ao que estudamos como lançamento horizontal, na cinemática. O projétil estaria submetido apenas à aceleração da gravidade local e a única diferença é que, devido a sua velocidade de lançamento, a sua trajetória não interceptaria a superfície do planeta.
Para colocarmos um satélite em órbita hoje, não utilizamos um canhão. Essa tarefa cabe aos foguetes. Os satélites são levados até uma certa distância da superfície da Terra correspondente a uma velocidade de órbita. Estando com essa velocidade específica e na altura correta, o satélite pode ser simplesmente abandonado naquela posição e permanecerá no movimento de queda livre, como se fosse lançado horizontalmente em relação à superfície da Terra. A força gravitacional se encarrega de mantê-lo em órbita. Como ilustra a figura 10.
Figura 10. Satélite em órbita. A força gravitacional atua como resultante centrípeta.

Neste caso, a força da gravidade da Terra atua com resultante centrípeta sobre o satélite, variando a direção do vetor velocidade e mantendo o satélite em sua órbita.
Podemos então deduzir que, um corpo em órbita está em queda livre e como já vimos nos tópicos anteriores, a queda livre corresponde a um ambiente de Microgravidade. Logo, concluímos que a estação espacial internacional, que é um satélite, está em queda livre e assim entendemos por que os astronautas à bordo da nave estão sempre “flutuando”. É importante ressaltar que o valor da aceleração gravitacional na altura da órbita da estação é de 8,7m/s2. Ou seja, bem próximo do que temos na superfície da Terra (9,8 m/s2). Isso quer dizer que além de existir gravidade ela não é pequena como sugere o termo Microgravidade.
Relembrando, o termo Microgravidade é utilizado para expressar uma situação onde a medida de peso aparente de um objeto é muito pequena quando comparada com a medida do peso real.




[1] Empresas de telecomunicação utilizam satélites para transmitir seus sinais de celular e TV, por exemplo.
[2] Satélites que fazem imagens da Terra com diversas finalidades como por exemplo monitorar desmatamentos, incêndios florestais, comportamento dos oceanos e previsão do tempo.
[3] Satélites de uso militar.
[4] Telescópios que estão em órbita captam imagens melhores, pois estão menos suscetíveis à aberração provocada pela atmosfera da Terra.